Reflexões sobre Cultura Alternativa

Artistas do projeto “All in One”

Recentemente, após receber diversas críticas por tocar um remix de funk na festa rave Boombay em Minas Gerais, o artista israelense Yanir Ohana, do projeto All in One, veio a público pedir desculpas e afirmar que não irá mais tocar a música. O caso reacendeu uma antiga questão sobre os conflitos em torno da “perda da vibe” das festas de psytrance.

Partindo da leitura de “A Cultura Global Psytrance e Aspectos da Cena Eletrônica de Brasília“, trabalho de Renato Macedo na UnB, “ao considerarmos os festivais de Psytrance como tendo uma proposta global de espiritualidade e celebração ritualística, passamos então a encontrar modificações locais da mesma.” As diferentes estéticas e vivências trazidas pelos grupos urbanos, especialmente quando associadas a diferentes classes sociais, transformam a cena e criam rearranjos.

Megarave quer colocar 8.000 para dançar – Folha de S. Paulo, São Paulo, sábado, 29 de agosto de 1998

No nosso país, com o surgimento das megaraves promovidas pelos núcleos paulistanos em meados de 1998, vemos a consolidação desses conflitos na cena. Ao mesmo tempo em que se propaga no discurso valores universais de paz, respeito, amor e união (PLUR), são reproduzidos valores capitalistas como empreendimentos lucrativos e discriminações sociais. “O crescimento do público não foi simplesmente um fenômeno de “natural crescimento de mercado”, foi resultado de estratégias específicas desenvolvidas por alguns dos organizadores dos eventos.”

Na dissertação “Festivais Psicodélicos na Era Planetária” (PUCSP, 2006), Ana Flávia Nogueira pondera que com o passar dos anos, os festivais se tornaram mais um atrativo disponível no mercado mundial, que associa experiências estéticas à espiritualidade. Assim, “o termo “alternativo”, utilizado para designar o movimento como dissociado dos interesses ou tendências dominantes, talvez seja inadequado, já que hoje esses eventos fazem parte da cultura de massa.” Para Ana Flávia, as contradições e paradoxos desse movimento musical expressam a vasta gama de fatores de uma sociedade exposta à globalização e às novas tecnologias digitais, consequentemente gerando novas formas de sociabilidade.

Já para Renato, apesar de haver, de fato, uma contestação das formas de autoridade e conduta presentes na sociedade, o que vemos hoje é um movimento de capitalização e inserção da trance no mercado de entretenimento urbano, bem como a reprodução dos conflitos típicos da sociedade atual. A “perda da essência” tão falada no meio psytrance seria causada tanto por parte dos novos grupos que se comportam de maneira indesejada quanto pelos produtores que promovem a comercialização dessa experiência.

Assim, podemos ver o conflito recente com o remix do funk de Pedro Sampaio sob a mesma ótica da crítica à popularização da proposta trance, que caminha junto com a mercantilização dos seus aspectos essenciais. Afinal, o artista All in One fez uma leitura de que a música, por ser muito popular no Brasil, iria fazer sucesso nas pistas da dança do país.

Por fim, Renato nos propõe algumas reflexões: “As culturas das cidades, mesmo que underground, seriam apenas mais uma faceta do sistema, que absorve e vende sua imagem, transformando em cultura de consumo? Até onde os movimentos alternativos propõem rupturas concretas com a lógica capitalista? Ou ainda, até que ponto o discurso espiritual e ecológico decorre em práticas verdadeiramente críticas ou alternativas ao sistema vigente?”

E você, o que acha disso tudo?

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